Monday, February 19, 2007

A honra e as Cartas



Acabei de chegar do cinema. Pleno carnaval e fui assistir Cartas de Iwo Jima para descansar um pouco da folia e da danada da cachaça. Tenho cá as minhas dúvidas quando falo sobre os filmes do Eastwood, porque normalmente costumo gostar bastante deles, e com esse não foi diferente. A uns dias atrás fui assistir "A Conquista da Honra", e também achei foda, mas confesso que estava achando que "Cartas de Iwo Jima" seria muito mais legal, talvez por causa das inumeras críticas que eu vinha lendo sobre os dois filmes e sobre os boatos de que "Cartas" tem mais chances de levar alguma estátua do que "A Conquista da Honra". Cada um dos dois filmes tem um ponto de destaque e eu tenho uma possível teoria para a crítica estar achando Cartas melhor que "A Conquista".
Em "A Conquista da Honra", Clint trabalha com uma linha crítica bem parecida com a de Susan Sontag em "Diante da dor dos outros", livro onde ela discute a relação do indivíduo com imagens chocantes, abordando imagens conhecidas de períodos de guerra diferentes, como a foto do soldado da guerra civil espanhola levando um tiro, tirada por Robert Capa. Com os exemplos dessas imagens, a escritora procura desvendar a relação de afetividade que temos com as imagens de guerra. E "A Conquista da Honra", Eastwood também parte de uma fotografia para expressar o quanto as guerras são inúteis e o quanto uma imagem fotográfica pode ser utilizada como instrumento político em prol, ou não, das guerras. Clint utiliza a célebre imagem de John Rosental dos americanos erguendo a bandeira no cume do monte Suribachi em Iwo Jima e mostra a importância que ela teve para o governo americano naquele período, e para o destino da Segunda Guerra Mundial. A mensagem de Clint, assim como a de Susan sugerem que não existem heróis nas guerras além daqueles construidos artificialmente, e que as imagens fotográficas feitas durante conflitos tanto podem servir para denunciar a crueldade das guerras, como servir de documentos em prol dos conflitos.

Já em "Cartas de Iwo Jima", Eastwood prefere trabalhar com o patriotismo cego dos japoneses, abordando o seu heroísmo e honra ao lutarem até a morte para atrasar o avanço das tropas americanas sobre o solo japones. Mais uma vez Clint trabalha com as incoerências da guerra exibindo o lado humano dos homens, inimigos dos americanos, que estiveram naquela batalha. Ai vem uma ja perceptivel caracteristica de seus filmes, onde não existem heróis, ou se existem, eles são tão humanos e afetados pelos acontecimentos como qualquer outro indivíduo.

O interessante sobre a possível melhor recepção da crítica e da academia por "Cartas de Iwo Jima" está justamente na "heroificação" dos japoneses que lutaram na ilha. Ao meu ver, apesar de os japas serem os inimigos, os americanos preferem ve-los mais humanizados e lutando heroicamente por um ideal, coisa que os americanos realmente adoram, a ver o povo americano sendo grosseiramente enganado por uma imagem fotográfica para continuarem patrocinando uma guerra que no filme se mostra inútil, daí as críticas mais favoráveis ao filme com a perspectiva japonesa dos fatos . No mais, os dois filmes são filmes de guerra, com cenas muito chocantes e realistas de batalhas sangrentas sem muitas diferenças de qualquer outros filmes com o mesmo tema que já surgiram, com isso, passo a ver as duas obras apenas como mais dois longas de guerra, apesar as mensagens sugeridas por Eastwood.
As imagens que retratam as guerras, sendo elas "verdadeiras" ou ficcionais tendem a causar cada vez menos efeito no espectador, e com isso os filmes vão ficando cada vez mais violentos e menos atrativos para os olhos acostumados com tantas imagens fortes. Outro dia vi "Laranja Mecânica" novamente e pude perceber essa mudança. Nos anos 70, o filme foi considerado uma explosão de violência cinematográfica e chocou meio mundo, hoje, apesar da mensagem violenta continuar lá, Laranja parece uma brincadeira perto de um "Assassinos por natureza" por exemplo. Como disse no início do texto, costumo gostar dos filmes do Eastwood, e com esses não é diferente, mas acho que dizer que "Cartas de Iwo Jima" e "A Conquista da Honra" são mais dois filmes de guerra é justo. Sei que esse sentimento de "falta alguma coisa" talvez tenha sido provocado pelo nome de Steven Spilberg como um dos produtores. Não desmereço o trabalho do cara, mas ele tem uns pontos que sempre me irritam nos seus filmes e que pareço ter percebido, embora que muito distantes, nas obras de Clint. Sei lá, a cena do garotinho japones desprotegido na rua brincando inocentemente com um carrinho, ou a mãe de família pedindo para o soldado não matar seu cachorrinho, ou ainda aquela bomba que cai ao lado do japa e não explode me parece muito com as brincadeirinhas que Spilberg costuma fazer em seus filmes. Mas, ainda assim vale a pena ver o que Clint Eastwood tem para mostrar, embora eu não tenha esperanças de que ele levará alguma estatua para casa.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home