Monday, February 05, 2007

Eastwood contra o Mundo Justo


Gosto dos trabalhos de Clint Eastwood desde moleque, época em que assistia "Por um punhado de dolares" com o velho Tião, ou o Dirty Harry, tendo os olhos tapados pela minha mãe justamente nas horas que o detetive Calahan ia fazer o seu dia sentando chumbo em algum "punk". Com o tempo fiquei bastante curioso quando descobri que ele também dirigia. O primeiro filme que vi sabendo que ele dirigiu foi "Um Mundo Perfeito", filme que ví somente uma vez, mas que e que até hoje mantenho lembranças fortes.

Não conheço toda a filmografia de Eastwood, mas me parece que de uns anos para cá o cara têm se especializado em deixar marcas registradas muito interessantes em suas obras. A primeira, e mais legal delas, é a total negação do ideal de "mundo justo" que assombra a mente de grande parte da humanidade. Para o velho Clint o mundo não é nada justo, e concordo plenamente com essa idéia, chamada por alguns de pessimista, principalmente quando ela chega a mim na forma de religião, pregando coisas como "se te aconteceu algo ruim é porque em algum momento vc cometeu uma atitude ruim". Isso é balela, e o mundo ao meu ponto de vista funciona de forma aleatória, existindo deus ou não. Clint exibe isso de forma magistral em "Os Imperdoáveis", onde a única pessoa que parece ser realmente boa dentro do filme não passa de um fantasma na mente conturbada de Will Munny. Todos os personagens carregam o pesado fardo das atitudes que tomaram em suas vidas e terão de viver com elas até que tudo esteja acabado. Munny, o herói as avessas do filme expressa isso em uma das sequencias mais sensacionais do cinema quando pisa no corpo caído de Little Bill (Genen Hackmann) e diz "Não se trata de merecer Little Bill", e aperta o gatilho em seguida.

O segundo ponto chave que vejo nos filmes de Clint é a constante declaração de que os mitos só servem para os fracos. Mais uma vez, "Os imperdoáveis" servirá como exemplo. O longa é um western, e westerns são conhecidos por duelos maneiros regados a muitas balas e homens rápidos no gatilho, mas Eastwood faz justamente o contrário. Seu herói não passa de um bebado rancoroso, arrependido da própria existencia. Esse herói se torna um mito não por seus atos de bravura, mas por sua lendária crueldade e indiferença. Clint parece brincar com o "publica-se a lenda" de Jonh Ford em duas cenas. Na primeira delas, English Bob se exibe para o seu biógrafo, provocando um americano que está lendo sobre a notícia da morte de Abraham Lincoln. Bob diz que qualquer um mete uma bala em um presidente, mas com uma rainha é diferente, ela é um mito e ninguém tem coragem de atirar em uma rainha. Essa interessante sugestão da influência dos mitos sobre os mais fracos volta a ser abordada por Clint no final do filme, na hora que Munny sai do bar completamente bebado e deixando meia dúzia de corpos no chão, o assistente do xerife o tem na mira e pode matá-lo sem dificuldades, mas ao invés disso, se sente intimidado pela presença lendária de Willian Munny e abaixa o seu rifle sem disparar.

Clint não costuma construir personagens que sejam reconhecidos por sua bondade ou heroismo, todos carregam algo de violento dentro de sí. Nem mesmo as crianças são inocentes, como se percebe nos personagens do gurí sequestrado em "Um Mundo Perfeito", ou dos moleques em "Sobre Meninos e Lobos". Essa característica se torna muito interessante na construção do personagem de um dos únicos filmes biográficos que realmente gosto, "Bird". Ao contrário da maioria desses filmes, que terminam transforando em coitados os personagens "reais" retratados para causar emoção, Clint preferiu construir Charlie Parker como um homem perturbado e decadente sem ter medo de condenar o filme ou mesmo de denegrir a imagem de Bird. Essas características, além de várias outras tornam Clint Eastwood um dos diretores que mais gosto hoje em dia. No último final de semana fui assistir "A Conquista da Honra", e esse texto prolixo era pra ter sido sobre minhas impressões do filme, mas vou ter deixar para um próximo post senão quem conseguir ler até aqui vai desistir antes de terminar. Se é que alguém le essas coisas que sempre acho que estou escrevendo pra mim mesmo.


2 Comments:

Blogger Anaquim said...

Eu leio pq sou sua amiga! ahahahah!

2:07 AM  
Blogger opiumseed said...

Escrever para si mesmo é um exercício muito nobre.

2:45 PM  

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